20 novembro, 2006
Boa noite...
À noite a rotina era sempre a mesma. Antes de se aconchegar entre lençóis e cobertores, antes de se deixar envolver pelos braços de morpheu, havia sempre aquela chamada. "Olá" dizia ela com aquela voz que se deleita à espera de uma resposta doce. "Como correu o teu dia?" perguntava enquanto pensava que o seu teria sido melhor na companhia de quem estava do outro lado. A resposta era invariavelmente a mesma "correu bem". O discurso ficava assim, em suspenso como uma reticência que se prolonga pelo infinito. O diálogo era interrompido pela cumplicidade do silêncio e corrompido pela impaciênciência que ela tinha. Faltava a voz, o som, a respiração agitada ou o emaranhado de sílabas inaudíveis pelo sono. Noites havia em que o verbo era rei, em que as palavras se atropelavam na boca dela, todas querendo sair. Mas a rotina, como ela própria, encarrega-se de esmorecer a vontade, o desejo da partilha. E a fonte de onde brotavam sílabas tónicas e átonas, verbos reflexos e compostos, metáforas, hipérboles e perífrases secou sem aviso. A voz dela, cansada, perdeu a força para falar, rebater, contra-argumentar. E num segundo apenas, que é quanto basta às cordas vocais, remeteu-se à ausência da paralinguagem. Foi bom, foi muito bom e por isso pela última vez disse "Boa Noite... meu amor".
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2 comentários:
É sempre assim, não é!? Perguntam: Tudo bem? E dizemos que sim. Ás vezes gostava de me esvaziar perante as circunstâncias. Dizer: Não, não está tudo bem. Exaltar-me e expirar tudo o que sinto...
Até porque 'Boa Noite' fica sempre bem!
Beijos
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