23 novembro, 2006
Gotas de chuva
"Penso em ti", dizia ela baixinho, murmurando à chuva que batia nos vidros da janela querendo entrar. Uma mão que se estica e tenta agarrar o pouco de ar que resta no próprio reflexo como se a imagem esbatida pudesse mais que o próprio ser. De olhar perdido vagueava mentalmente para lugar nenhum, como uma borboleta perdida a quem tiraram o norte e deixou de ter aquela flor onde tanto gostava de esticar as asas e repousar. Levada pelo vento, sem força para resistir ao movimento perpétuo das correntes de ar que outrora a fizeram planar... "Volta depressa", pedia ainda que soubesse que jamais o iria ter de volta. A metamorfose não tinha sido única, fora partilhada levando, porém, a caminhos diferentes, a mares profundos e distantes como duas esferas tangentes que perderam o ponto de contacto, dois universos paralelos sem porta de comunicação. Estava tão longe, não só dele como dela própria e perdida numa mente que teimava em distorcer tudo o que de belo se apresentava. Faltava a vontade, imperava a apatia, o inócuo, o deserto árido e estéril onde nem o casulo consegue manter o pulsar de uma qualquer crisálida. E é nessa espiral que se perde e recua ao tempo de larva, de nova mudança, metamorfose... Basta um pequeno passo, um gesto, um toque e todas as partículas se agitam, todas as moléculas conferenciam para debaterem a reacção que se segue. Hoje é exotérmica, explodiu depois de implodir. Já não é larva nem célula, reduziu-se a átomo e percorre todas as histórias da História e de tempo idos enquanto a crosta terrestre borbulhava de calor. "Perdi-me de ti", escreve agora no vidro embaciado pelo bafo quente da respiração entrecortada pelo próprio pensamento. De volta ao quarto, volta ao mundo e à realidade, volta à chuva que ainda não parou de cair e se mistura com as próprias gotas que lhe rolam pela cara. Volta a si...
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3 comentários:
Metamorfose. Gosto desta palavra. Boa sorte.
Oiço, vejo, sinto, mas não estou aqui.
Vejo os ponteiros do relógio completarem dias e dias.
Semanas e meses de calendário. Já lhes perdi a conta.
O Tempo não passou por mim, nem eu passei pelo Tempo.
Tudo me é indiferente como a chuva que me molha e ensopa a alma.
Não acompanho nada do que me contorna. Massacro-me ficando quieta.
As forças para ir, foram na corrente do que foi. Penso que morri , sinto que me deixei morrer.
Será para isto que os sorrisos e os afectos tanto nos preenchem?
Para sucumbirmos na crepitação da chama que queima e resiste ao fechar dos olhos?
Pensei na resposta e formulei a pergunta que todos tememos: Estarei morta?
Sinto que as trevas passaram por mim e não me deram a mão...
Podes sempre contar com a minha mão...
A tua fada...
Chuva de lágrimas acalenta o mar de mágoas e cala... a dor... que o amor deixou...
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