Bom Dia!“Hoje vai ser um bom dia” – pensou enquanto abria as janelas do seu quarto. O sol espreitava timidamente, afugentando os sonhos sombrios que tinham percorrido a sua almofada na noite anterior. Inspirou fundo absorvendo, lentamente, as gotas de orvalho que ainda cintilavam nas vidraças. Ser pássaro, ser nuvem, ser a simples folha castanha que caía da árvore que era o seu próprio ser e planar como o vento que enrolava os caracóis dos seus cabelos. Aquela manhã estava a ser difícil de enfrentar ou não fosse tão bom estar apenas a sorrir de olhos fechados, percorrendo mentalmente todos os lugares já visitados, imaginados...
Lentamente o pálido lençol escorre e um sorriso doce diz “bom dia” e o ar trás o cheiro doce de bolachas e leite. Ele tinha tomado a iniciativa em acordá-la desta vez. “Cedo demais”, pensou “mas bom na mesma”. Com aquele jeito de menina que não quer enfrentar o mundo lá fora, volta a esconder-se. “Deixa-me dormir”, diz languidamente apesar de bem saber que as horas já passaram. Cheirava a torradas quentes com doce de morango, cheirava a sonhos e ao cuidado que ele tinha tido em não a acordar antes de tudo pronto. Passos pequeninos, pezinhos de lã até afastar as espessas cortinas que protegiam o quarto do frenesim que já se fazia sentir lá fora. O calor que rapidamente invadiu sem pedir licença, lembrou-a de onde estava. Não, as folhas não caíam num tapete multicolor. Pelo contrário... transpiravam durante as horas mortas em que só as cigarras interrompiam o silêncio do Verão.
Queria continuar ali, esquecendo as horas, os minutos que a separavam da cidade que havia deixado para trás por apenas alguns dias. Mas aquele sorriso, aquele olhar azul de fundo de mar impediam-na de voltar a adormecer. “Não sabia o que querias tomar, trouxe-te um pouco de tudo”, disse com medo da resposta rabugenta que ela insistia em não esquecer. Mas não, hoje não, não podia, era o início de uma nova etapa... pelo menos por agora... o desabrochar de uma cumplicidade há muito esperada, uma aprendizagem conjunta, a capacidade de saborear, a dois, momentos deliciosamente agridoces. “Já me levanto, deixa só acordar as lembranças”, disse baixinho enquanto escondia pensamentos incertos por baixo da almofada.
Queria um beijo que ele teimava em não dar, queria, só por aquela manhã ensolarada, ser bela adormecida e ter, bem ali ao lado, o príncipe de cavalo branco imaginado em tempos idos num qualquer sótão de velharias e brincadeiras. Mas esses não pareciam os planos do ser que, tão docemente, a acordava...